‘Teardrop’ é uma prancha de surf. Foi feita à mão pelo ‘shaper’ algarvio Leandro Simões. A estória dessa criação é reveladora do processo artesanal, do perfeccionismo, da paixão e da busca constante que movem a Leander Wave Riding Hand Shapes, uma marca algarvia unipessoal com afetos muito próprios pela cultura surf clássica.
É numa garagem perto de Carvoeiro, no concelho de Lagoa, que acontece a alquimia ‘retro’ Leander Wave Riding. Leandro Simões tem 33 anos de idade, é surfista e sempre gostou de moldar materiais, criar com as mãos. Em 1995 viu o mítico filme de surf ‘North Shore’ (North Shore, Desafio no Hawaii) e percebeu que queria fazer pranchas de surf. Curiosamente, no filme é um ‘shaper’ quem explica ao surfista protagonista a diferença entre ‘soul surfing’ e competição; uma fronteira bem presente no trabalho do ‘shaper’ algarvio.
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A ‘Teardrop’ foi pensada para uso próprio, para o ‘soul surfing’ do ‘shaper’. É uma prancha de linha, uma ‘pin tail’ ‘single fin’ ideal para deslize suave e tubos. As medidas (em pés) são 6’4” (comprimento), 20-1/2” (largura), 2-1/2” (espessura), com um volume total de 32,8 litros. É um ‘foguete’. A passagem da ideia para o papel foi feita no computador, com recurso ao ‘software ‘ AKU Shaper e esse processo demorou cerca de uma hora.
O computador e a internet são uma ferramenta e uma fonte de informação essenciais para o trabalho do ‘shaper’. Mas não era assim no início. Nos primeiros anos de 2000, Leandro Simões estudava Design, Video e Artes em Lisboa. Já estava interessado pelo ‘shape’, mas nessa altura quase não havia videos sobre o assunto na internet. “Nessa altura, papava tudo o que era ‘shape’ nas revistas”, recorda Leandro Simões.
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A internet (pelos videos, filmes e partilha de informação), as revistas, mas também os livros são uma fonte de inspiração e de aprendizagem para o ‘shaper’ algarvio. O estudo e a experiência permitiram-lhe transformar o surf que sempre teve na alma em pranchas capazes de o concretizar em ondas/condições específicas. Leandro Simões é hoje uma autêntica enciclopédia de saber sobre a História do ‘shape’, sobre os materiais e as linhas de molde que desenharam a evolução das pranchas de surf.
Quase que apostamos que a ‘Teardrop’ foi pensada para encaixar bem na onda do ‘secret spot’ do ‘shaper’. Depois de projetada no computador, a prancha passou a estar desenhada em papel e a partir desse desenho foram recortados os moldes que permitem, depois, desenhar a prancha no bloco virgem de poliuretano (‘foam’). Neste caso foi usado um bloco Teccel 6’10.
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Com a prancha já desenhada, após um jogo complexo de medições, o bloco foi recortado a serrote e aparado. Tudo feito à mão. Depois entrou em ação a lixadora elétrica e começou a magia do ‘shaper’. O ataque começa sempre pelo ‘bottom’ (fundo, ou parte inferior da prancha), depois de ali terem sido desenhados os contornos dos côncavos. A textura da superfície do fundo tem grande influência na hidrodinâmica da prancha. A ‘Teardrop’ tem um ‘bottom’ ‘single concave to double concave’, pensado para boa entrada nas ondas e velocidade.
A experiência permite escolher as opções de molde de acordo com o tipo de surf pretendido. Mas passar da ideia à prática é a magia de cada ‘shaper’. Moldar o ‘foam’ é uma relação íntima, onde a precisão e a pressão manual do artesão criam texturas e linhas únicas. Nenhuma prancha é igual. É impossível. A forma nasce das mãos, do movimento calculado que desliza a lixa pelo ‘foam’, com olhar minucioso e os dedos sempre em contato com o poliuretano, a avaliar cada milímetro de superfície, quase como uma dança, ou uma massagem.
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A sala de ‘shape’ enche-se de pó de poliuretano e trabalha-se com máscara protetora, apesar da aspiração feita pela lixadora elétrica. As luzes negras estão colocadas à altura do tronco, nas paredes, para evitar reflexos no bloco que está a ser trabalhado. É fundamental ver bem todos os contornos.
O bloco é virado, para começar a trabalhar o ‘deck’ (parte superior da prancha, onde vão assentar os pés do surfista). É a fase em que vão ser moldados os ‘rails’ (contornos laterais) e o ‘nose’ (ponta da prancha), fundamentais no comportamento da prancha na onda. Leandro Simões é um feiticeiro. A sua varinha mágica para esta tarefa é um lápis acoplado a um tubo velho, uma ferramenta feita por si, que permite desenhar com precisão as linhas orientadoras para o desbaste que vai dar origem aos ‘rails’ e ao ‘nose’.
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As linhas estão lá mas, mais uma vez, o toque do ‘shaper’ é o motor da transformação. Lixar o ‘foam’ para arredondar os contornos é muito mais do que isso mesmo. É feito à mão em toda a prancha e a forma final desse contorno arredondado é precisa. Nem de mais, nem de menos. Será exactamente como o ‘shaper’ quis e para ter o efeito pretendido no comportamento da prancha. A precisão da dança da lixa na mão do ‘shaper’ é verdadeira magia.
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A fase do ‘shape’, da moldagem está terminada. O bloco de poliuretano tem a forma da prancha, mas falta dar-lhe resistência e pigmento e preparar as fixações para o ‘fin’ (quilha) e para o ‘leash’. Começa a fase da laminação, ou fibragem, noutra sala, onde o feiticeiro se vai revelar alquimista. A precisão dos movimentos continua a ser fundamental, mas agora a magia sai de frascos com pós coloridos, ou líquidos de aroma químico intenso. As vias respiratórias são protegidas com uma máscara maior, com filtros, e é ligado um sistema de arejamento da sala.
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A fibragem começa também pelo ‘bottom’, sobre o qual é estendida uma folha de fibra de vidro, no caso, de 4 onças. Leandro Simões dirige a sua atenção para os frascos e dá início à alquimia, calculando a mistura de resina poliéster (850g) e secante (250g) com base no tamanho da superfície a cobrir e na temperatura ambiente, que tem de estar controlada. É um trabalho a contra-relógio, enquanto a resina está maleável e consegue ser espalhada com recurso a uma espátula de silicone.
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Cheira a químicos e a mão do ‘shaper’ move-se com rapidez e segurança. Em cerca de duas horas, o ‘bottom’ está fibrado e é deixado a secar. No dia seguinte repete-se o processo no ‘deck’, mas desta vez acrescenta-se pigmento, cor, ou desenho de acordo com a vontade do ‘shaper’, ou do cliente. A ‘Teardrop’ foi ilustrada com algumas linhas pretas sobre um mancha abstrata de amarelo, laranja, verde, branco e transparente (resina).
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Os líquidos coloridos foram derramados em traços aleatórios sobre folha de fibra de vidro recortada e ajustada ao espaço a colorir e, depois, espalhados com espátula de silicone. O efeito cromático nasce aleatório e impossível de repetir. Os movimentos são rápidos e o processo demora cerca de uma hora e meia.
A prancha tem forma, cor (pigmentos, desenhos) e resistência (fibra de vidro + resina poliéster). Faltam as fixações para a quilha e para o ‘leash’. Leandro Simões optou por colocar um ‘leash-loop’ na ‘Teardroop’, um pequeno arco feito à mão, com resina e tiras de fibra de vidro, no ‘tail’ da prancha. É uma opção mais clássica, mais ‘retro’ do que o habitual ‘copo’ cravado no ‘foam’. Essa será a solução usada para fixar a ‘quilha’ no ‘bottom’.
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A prancha está pronta. Tem a forma de uma lágrima e as cores escolhidas pelo artista. Tem as linhas hidrodinâmicas ajustadas a um surf de linha. Leandro Simões desliza com ela nas ondas em harmonia perfeita com a alma de surfista livre. O ‘shaper’ prefere as linhas clássicas às da alta performance, porque essa é também a sua forma de estar na vida e no mar. A ‘Teardrop’ é um exemplo, como também são as ‘Mini Simons’ ‘double fin’ pelas quais ‘Leander’ é muito conhecido. É a redescoberta das raízes do ‘shape’, um mergulho na herança da cultura surf.
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